sobre o doce amargo das bienais

esta newsletter foi escrita na viagem entre Recife e João Pessoa, após o último final de semana da Bienal de Pernambuco 2025 e pode ou não ser apenas verborragia caótica.

Eu amo bienais. Sempre acho que é onde me encontro, onde respiro e entendo o motivo de fazer o que faço. Escrever, no caso. Já que em 90% do tempo me sinto vivendo uma vida dupla entre a escrita e o que paga as contas. Mas bienais me trazem pra um lugar de conforto. É reencontrar minha própria pele e vesti-la outra vez.

Me considero uma extrovertida seletiva, sabe? Quem me encontrou nesses eventos já deve ter notado que eu tô sempre orbitando gente e é subconsciente até. Eu gosto de falar com pessoas, em grupos, em todo canto realmente, porém não com todo mundo e talvez esse seja o grande ponto das feiras literárias pra mim: é nelas que me desfaço da máscara que o capitalismo me obriga a vestir de segunda à sexta.

Não deve surpreender ninguém dizer que não vivo de escrita. Na realidade, desde que tive um burnout em 2021/2022 optei por ter uma profissão que pague as contas bem longe dos livros e do mercado editorial. Eu tentei ser designer, trabalhei com capas e diagramação por alguns anos e ainda amo a profissão, mas com ela sentia que minha criatividade era um poço sempre no limite de secar, não tinha espaço para a Laís escritora e a Laís designer coexistirem. Então, como sem a escrita não existo, o design teve de ir. Arrumei uma profissão burocrática, num curso engessado, que sempre me parece viver 50 anos (no mínimo) no passado. Apesar de tudo isso, não odeio direito, eu só não sou apaixonada por ele; a gente aprendeu a se respeitar e talvez a repensar toda essa relação arte-trabalho-vida mesmo assim.

Eu preciso da escrita, mas também preciso comer. Preciso de dinheiro para poder participar de um mercado literário que cada vez mais cobra das autorias presença e brindes e artes e tudo em todo lugar ao mesmo tempo. Se a decisão é cínica, bem, no final é o que é.

Mas o que a gente faz quando o que põe comida na mesa não alimenta a alma?

Quando vou para feiras literárias, bienais especialmente, é quando esse pedaço artístico de mim pode finalmente respirar. Por quatro ou cinco dias eu posso ser eu. E não desejo para ninguém essa sensação de estar sempre se policiando em espaços feitos pra te tolher. 

Quando uma Bienal acaba, o cansaço da viagem, das interações, se mistura com uma saudade visceral de viver aquilo de novo. Eu não aguentaria estar em eventos assim todos os dias, mas eu sempre sou capaz de tirar energia de onde não tenho quando me vejo nos corredores desses lugares.

Ainda assim, a Bienal de Pernambuco de 2025 é a minha quarta sem livros físicos. Desde que esgotei Da tua Rosa em 2019 (ignoramos os exemplares encontrados durante a minha mudança agora em 2025) não tenho um livro novo para falar sobre. Claro, Caçadores de Tempestade saiu em 2019 e depois em 2021, A Última Canção de Mariposa, em 2022. Eu sei que posso falar deles, posso continuar falando da minha fada sem asas, mesmo sem físicos, acontece que eu penso em livros como ciclos. E eu queria muito iniciar um novo.

Não é como se não tivesse coisa nova por aqui. Meu projeto vampiresco, que tanto falei sobre pelo twitter (RIP) e cheguei até a começar a mandar por aqui está mais ou menos pronto e segue sob análise. Eu preciso ter paciência e lidar com toda essa ansiedade.

Mas como lidar com a sensação de desaparecer? De sentir que perdi minha chance, que agora preciso levantar tudo do zero pela milésima vez? Ao mesmo tempo, também sei que estou sendo injusta. Sim, não publico nada novo há pelo menos 3 anos, porém, também participei de mesas e eventos pela primeira vez. Tenho estado em evidência de uma forma que não imaginava. Mas não tenho livro físico, não tenho projeto novo se tornando palpável. Então toda vez que me perguntam quando vai sair o próximo, se tenho algum vem aí, eu não sei a resposta. E isso dói.

É difícil esperar, é difícil não querer largar tudo. Quando meu burnout me fez passar meses encarando o vazio, achando que eu nunca mais ia escrever nada, eu optei por recomeçar. Meu instagram tinha sido deletado em 2018, noutra crise, e o refiz ano passado (@vampifada lá, se você ainda não segue). Tenho tentado estar ali nas redes apesar da minha rotina (dois estágios + faculdade + escrita + começo de vida no meu próprio lugar).

Ninguém te avisa que uma das partes mais terríveis do recomeço é saber onde você já esteve — e não está mais.

Eu poderia falar em antigos números de redes sociais, em esgotar livros sem nenhum suporte, em escrever ao invés de dormir e estudar engenharia e escrita ao mesmo tempo enquanto me deixava consumir por uma ideia tão irreal de sucesso que nada mais fazia sentido. Mas não é sobre isso. Não somente.

Escrita é ego. Quem disser o contrário tem um pé na mentira. Ok, talvez não o ato de escrever, mas o ato de publicar, de vender, de se tornar produto é ego. Isso não quer dizer que seja ruim. Não tem nada de errado em buscar reconhecimento. O problema é que a gente fica com ego ferido quando as coisas não saem como planejado e a reação nem sempre é bonita, madura, elegante.

Em 2026 farei 10 anos da primeira publicação de A Guardiã, consequentemente, de carreira literária. Dez anos. E nas duas bienais que fui esse ano (RJ e PE) isso não me saía da cabeça. Eu comemorei cada livro esgotado das amizades do meu cantinho, torcendo e permitindo que a alegria alheia me aquecesse o coração, enquanto isso, ruminava a pergunta de quando será a minha vez? Quantas outras vezes terei de me reinventar? Quanto mais terei de investir?

Não ter resposta é desanimador. Ainda assim, sai dessa Bienal inspirada, passei madrugadas conversando com Maria Anna Martins sobre projetos engavetados e cá estou eu com 3.5k escritos em uma semana com uma rotina maluca (até dia 17/10 estarei equilibrando três estágios, não me pergunte como). Me vejo acreditando de novo no sonho, ainda que tente manter os dois pés bem plantados no chão.

O doce amargo das bienais que estive em 2025 é saber que há decisões difíceis pela frente e ainda assim, eu sigo, mais uma vez, acreditando em seis coisas impossíveis antes do café da manhã. Vai saber, o próximo ciclo pode até já ter começado e sou eu, com a minha impaciência, que não o vejo com clareza.

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