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Retorno + Interlúdio
avisinhos e mais um pedaço da história
Oi, gente! Como vocês estão? Espero que bem. Faz algum tempo né? Bem, eu poderia contar tudo o que rolou durante essa época, mas seria um bocado enfadonho, então vai o resumo: eu tô começando outro curso superior, então os últimos meses foi uma readaptação, fora outros problemas (computador tá pedindo arrêgo, família e até o fim da plataforma onde colocava esta newsletter - a GetRevue). Recentemente terminei a primeira revisão de Orquídea, ainda tem coisas que desejo alterar, mas aqui é uma maneira informal de atualizar vocês.
Agradeço demais a paciência e o apoio! Agora, sem mais delongas, um interlúdio de Orquídea da Noite. Boa leitura!
Fortaleza, 14 de junho de 2025.
Sentada na poltrona perto da janela, Cassandra observava a rua vazia, seus olhos cor-de-mar não focavam em nada em particular nas construções abandonadas do centro histórico de Fortaleza. Irene conhecia aquela expressão o suficiente para desacelerar a caminhada com o qual vinha da rua e evitar o barulho de seus passos no quarto que dividiam naquele hotel de fachada — era um esforço pouco frutífero, considerando os saltos finos em seus pés.
Mal havia entrado no quarto e Cassandra piscou duas vezes devagar, porém o rosto dela permaneceu virado para a janela. Os cachos acastanhados emoldurando um rosto que em todos os dias dos mais de setenta anos de relacionamento, Irene não cansava de ver.
Por uma fração de segundo, Irene quase foi convencida pela tranquilidade de sua postura, mas as mãos apertadas no colo da outra vampira negavam qualquer efeito causado pelas costas apoiadas na poltrona e o rosto sereno. A vampira mais antiga se aproximou de Cassandra pé ante pé e se ajoelhou à frente dela, desfazendo a tensão nos seus dedos com movimentos circulares.
— O que a preocupa, minha pequena?
— Eu tive uma visão — Cassandra respondeu em voz baixa após um instante. — Eu vi nosso filho, Nê.
Irene inspirou devagar. Aquela discussão era antiga. Sabia o suficiente para jamais duvidar das visões de Cassandra, mas também entendia que com o tempo a vida como vampira apagaria seu dom e visões e sonhos se confundiam com frequência, o suficiente para se tornar impossível distinguir.
— Cass...
— Você não acredita em mim — Cassandra a interrompeu, o tom acusatório fez com que Irene soltasse suas mãos.
— Ele nasceu sem vida, Cass. — Irene suspirou. — Você sabe o quanto eu achava impossível ter um filho depois da transição e da transformação, mas nós temos que encarar a verdade. Ele nasceu sem vida.
— Eu sei — Cassandra sibilou. — Eu sei, tá? Mas eu não sei quem mais seria... — Ela buscou as mãos de Irene e a vampira mais velha admirou o quão transparente o rosto da mais nova sempre era, ainda que ironicamente Cassandra tinha sido transformada aos trinta e seis enquanto Irene permanecia imortalizada aos vinte e sete. — Ele tem os seus olhos, não a cor, mas é o mesmo formato.
Irene se levantou e evitou o olhar meticuloso da esposa. Não queria soar irritada, mas o encontro com o necromante naquele dia a tinha deixado inquieta. Durante anos sua família permaneceu segura nas sombras da cidade, mantendo-se longe das disputas dos clãs e da política local. Eram um refúgio para os vampiros rejeitados pelos demais, Os caçadores estavam de olho em sua família e ela não conseguia deixar de pensar que o homem era familiar de alguma forma.
— O que você viu exatamente? — perguntou, desviando dos próprios pensamentos.
Cassandra afundou o rosto entre as mãos.
— É difícil explicar... eu sei que vi nosso filho, mas o resto é tão confuso. — Irene esperou, sentando-se no chão à frente de Cassandra, colocando as mãos sobre seus joelhos. — Ele estava sendo levado por caçadores, eu acho. E vai parecer loucura, mas eu acho que o homem que nos ajudou a escapar na ditadura estava com ele. O necromante. Ele não parece ter envelhecido nem um dia sequer.
Como um clarão, Irene lembrou do encontro com o homem horas antes, a forma como ele controlou Fernando como se o vampiro fosse uma boneca. O título que ela tinha escutado sendo sussurrado até mesmo dentre os vampiros, buscado pelos caçadores daquela instituição hipócrita. Um conhecimento antigo relampeou em sua mente e ela murmurou:
— Não é loucura. — Ela suspirou. — Foi ele que nos deu a dica de que os caçadores viriam nos emboscar, apesar do acordo com aquela organização.
Irene fez menção de se erguer, mas Cassandra apertou sua mão.
— Como? Necromantes não podem estender a própria vida desse jeito...
— Eles podem — Irene aproveitou a pausa para comentar.
— Mesmo assim, ele envelheceria, não?
— Eu não sei. Mas se era ele na sua visão, nós precisamos encontrá-lo.
— E se ele estiver com nosso filho... — Cassandra rosnou as palavras, um flash de vermelho adornando as irises verdes.
— Nós não sabemos, Cass — Irene a tranquilizou, tentando apaziguar a própria fúria que ameaçava emergir. — Mas talvez ele seja uma pista para achá-lo.
— O que você precisa?
Um meio-sorriso se alastrou pelo rosto de Irene e o brilho nos olhos da vampira prometia sangue.
— Uma visão. Consegue me dar uma última visão?
Cassandra se aproximou da esposa, depositou um beijo lento em sua boca e sussurrou com igual promessa:
— Por você e pelo nosso filho, eu dou o mundo.
Nota: sim, eu sei que hoje é quinta, mas vamos de mimos pela espera (e quem sabe não tem capítulo novo amanhã também?)
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