[carta 009] sobre cenas 18+

uma pequena aventura de carnaval (mas não como você está pensando)

E então eu fui escrever erótico. Calma! Não um romance inteiro, nem sequer vários capítulos de safadezas intermináveis, não mudei de gênero, continuo plantada na fantasia como um carvalho velho e continuo sem saber escrever romance sem colocar pelo menos um tiquinho de magia no meio (chame de escapismo, eu chamo de tempero). Mas vamos culpar o carnaval por enquanto, pois foi nele que essa loucura começou.

Passei o feriado longe da internet (amém), sem bloquinho (não que eu fosse) e com muito tempo livre. Então, nada surpreendente que eu estava entediada. Entediada e, como ainda não comecei uma nova história para ficar obcecada (eu devia, eu tenho planos e planos e planos… mas tá meio difícil conversar com a minha protagonista aqui na minha cabeça), sem nada para fazer. Eis então que uma amiga (Kami Girão, também autora lá do Ceará e que tinha vindo me visitar esses dias) manda mensagem falando que ela tava pensando experimentar em escrever erótico. Só uma cena, só pra testar.

O mais divertido dessas amizades do meio literário é a gente olhar uma pra cara da outra (virtualmente) e dizer: ok, vou tentar também.

Então começou nossa troca de figurinhas e o que a gente apelidou de Bloco das Safadas. Com duas autoras não acostumadas a escrever hot fazendo exatamente isso.

Foi aí que eu descobri o quanto você tem que pensar pra escrever erótico. Claro, você tem que pensar pra escrever qualquer coisa, mas uma cena de dois (ou mais, eu não sou contra menages) se pegando é… uou. Como não tinha uma história em andamento, decidi pegar dois personagens de um projeto engavetado, a essa altura eu uso esse projeto como um teste de coisas que pode ou não ver a luz do dia. Talvez um dia monte algo coerente com os personagens e tente publicar, até lá Hector e Katrina e tantos outros vão ficar só nesses arquivos fechados. Mas se um dia me virem falando de Hectrina, me refiro a esses dois. Um humano e uma fada (pra variar na minha carreira literária, tem fadas).

Bem, nada mais justo eu começar essa coisa de escrever erótico com pornô de fada, né?

Foi aí que começaram os desafios. Quando eu começo a escrever algo que tem criaturas com uma anatomia diferente, a primeira coisa que eu faço é estabelecer ao menos as fundações dessa anatomia. No caso da Katrina: asas. Eu não consigo imaginar fadas sem asas, eu literalmente escrevi um livro inteiro fazendo essa pergunta pro além e a Rosa (de Da tua Rosa) é essa personagem perdida por não poder voar e isso virou toda uma metáfora de quem você é quando não pode mais fazer algo quintessencial da sua vida. Então a Katrina tem asas e pra completar, as asas dela são gigantes, mas eu já sabia disso antes. Eu escrevo a Katrina há quase 10 anos, é uma personagem que eu conheço na ponta dos dedos, mas as asas… eu sempre me debati como eram as asas dela. Desde cedo eu sabia que ela não teria asas de borboletas, ou libélulas, ou qualquer inseto se eu fosse ser bem honesta. A Katrina pra mim sempre teve asas “de anjo”, tipo as da Malévola e se a Disney pode meter asas de pássaro e ainda chamar de fada, eu também posso.

Recorri ao Pinterest pra me dar uma luz, veja, eu queria responder uma pergunta muy importante: quais posições na hora H seriam ok e quais seriam desconfortáveis para uma criatura com duas estruturas gigantes saindo das costas? Pra onde essas asas poderiam se dobrar e até quando?

Vou evitar me alongar muito aqui. Não estava pensando falar dessa aventura, mas outra amiga pediu o relato e considero este espaço algo sem julgamentos. Voilá. Esse foi o meu primeiro passo e, já que estou usando esse texto como um guia caótico, entendam como um primeiro passo. Descobrir a extensão do que aqueles corpos suportam ou não suportam em cena.

Acho que essa é minha regra universal, quando eu não sei exatamente o que fazer, começo listando o que não fazer.

Passo 2 foi pensar no cenário. Essa parte foi fácil, eu tinha uma cena incompleta desses dois personagens há anos. Uma espécie de despedida, e o Hector tá terminando de empacotar as coisas dele, prestes a deixar a cidade, a Katrina vai vê-lo. É um momento que os dois têm de trocar as últimas farpas antes de possivelmente não se verem mais. Então o cenário é o quarto dele, com uma cama pequena no canto, e não tem mais muita coisa nesse quarto além dos dois. Importante dizer: é uma fantasia medieval.

Mas até aí, nenhuma escrita. Nada no papel. É meio estranho esse estado de ter tudo pronto e nada pronto ao mesmo tempo. O “agora só falta escrever”, quando comecei a conversar com a Kami, vinha há algum tempo nesse estágio, mas pra outra história, o tal novo projeto que eu já joguei coisas e coisas no papel, mas que ainda não clicou. Decidi escrever Hectrina porque sempre que me sinto bloqueada, eles fluem, saem fácil.

E como saíram…

Segui uma dica de colocar uma playlist e só ir. Parece muito simplista a princípio, muito reflexo da ideia de que a gente precisa partir de algum lugar, como eu já conhecia esses personagens, eu já vinha marinando essa cena há anos, eu tava a fim de brincar com a ideia. Eu sentei e em dois dias escrevi mais de três mil palavras.

Percebi que senti falta disso. De rir com as provocações entre eles, de mergulhar em um outro universo, de ter que explicar pra um suposto leitor o peso do Hector tocar as asas da Katrina pela primeira vez, o significado de um apelido que ele se vê sussurrar pra ela, mesmo que os dois sejam algo meio enemies and lovers. Escrever uma cena erótica me fez conhecer mais dos personagens. Descobri que Hector é muito falador e a Katrina não é a típica mocinha que fica corada, já reli a cena algumas vezes desde que a dei por encerrada, e apesar de saber que não é o melhor erótico do mundo, estou satisfeita.

Ajuda ter um projeto onde não há expectativas sobre ele. Há um pouco de liberdade na sensação que essa história não será lida (não agora, pelo menos), pela primeira vez o pensamento “não é como se alguém fosse ler” foi libertador ao invés de um peso sobre os ombros. Um alívio ao invés de algo que eu precisava urgentemente consertar.

E então eu decidi escrever erótico. Não é um livro, um conto, ou sequer algo que vá ver a luz do dia por algum tempo (até pensei em colocar um link aqui, para essa cena) mas… Vamos deixar para uma próxima. Quem sabe não vem aí um extra de Orquídea? (tudo depende do meu nível de cara de pau)

Um pequeno comentário sobre mocinhos de romantasia.

Enquanto escrevia, fiquei sabendo sobre a discussão sobre mocinhos de romantasia nas terras do Xuiter, uma ideia meio bleh de que é por serem representações irrealistas de homens reais que os homens não leem essas histórias (ou algo nessas linhas, confesso que já esqueci parte do argumento). Pensei em fazer dessa newsletter uma discussão do tema, mas para além do fato que homens cis-hetero não leem nada com romance, ponto final, tudo o que eu pensava era o meu orgulho em, nos tempos do wattpad, ter 80% de leitorAs (de acordo com o site). Eu não escrevo para homens, e não entendam isso como algo ruim, acho que conhecer meu público foi uma das coisas mais importantes na minha carreira literária até então.

Mas esses dias eu tava cá com meus botões pensando em duas coisas: mocinhos de romantasia (e romance, no geral, destinado ao público feminino) são escritos em cima de fantasias, de desejos do que as mulheres — que leem e escrevem — queriam encontrar na vida real. Lembrei de uma autora de erótico, cujo nome me foje à memória, que uma vez disse para um flerte/crush/paquera que se ele queria saber como conquistar uma mulher, que lesse um livro dela e acho que essa é a essência da coisa toda. A gente (mulheres que se atraem por homens) quer ter espaço para falar dessa ilusão de um cara que possa ser aventura e segurança ao mesmo tempo. Porém, a Fernanda Castro fez uma newsletter excelente sobre o tema e não sinto a necessidade de alongar mais que isso.

Livro do mês

capa do livro Não Aguento Mais Não Aguentar Mais, trata-se de um fundo rosa com letras em azul e vermelho

Não aguento mais não aguentar mais - Anne Helen Petersen

Mergulhei em um livro de não-ficção pela primeira vez (sem contar livros necessários para a universidade) e estou destroçada com Não aguento mais não aguentar mais. Talvez a única crítica que eu tenha é que o final parece um tanto quanto estadunidense e conformado demais, mas a autora soube muito bem reunir e costurar relatos sobre como a geração Millenial se tornou a geração do burnout. Inclusive, acho que nesse livro encontrei um termo para o que eu sinto cada vez que penso em voltar para as redes sociais: exaustão digital. “A internet não é a causa do nosso burnout, mas sua promessa de “tornar nossa vida mais fácil” é profundamente prejudicial, responsável pela ilusão de que “fazer tudo” não é só possível, mas obrigatório.”

Álbum do mês

Prelude to Ecstasy - The Last Dinner Party

Vinha antecipando esse álbum desde que ouvi “Nothing Matters” pela primeira vez, entre reacts e ouvindo os outros lançamentos da banda, mal pude esperar pelo que elas iriam fazer com mais faixas. Confesso que descobrir que elas abriram o show pro Hozier foi um bônus. O hype estava lá em cima e olha, pagou viu? The Last Dinner Party tem uma mistura de Florence + The Machine com Kate Bush e uma sonoridade que eu só quero descrever como meio barroca, meio psicodélica que faz minha cabeça pensar em riffs do Pink Floyd por algum motivo (especialmente em Burn Alive). O álbum começa com uma intro totalmente instrumental e tem uma música em albanês que serve de interlúdio (e fala sobre perder a conexão com a língua materna) engatando em Sinner que é toda banhada em culpa católica. O ápice está em Nothing Matters, penúltima faixa, mas Mirror é interessante também, apesar de estar longe das minhas músicas prediletas.

Reply

or to participate.