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[carta 001] apresentação e trechinho de aucdm
Eis um fato: eu odeio me expor. O que é irônico considerando que eu sou uma pessoa muito tagarela, daquele tipo que conta histórias da família e emenda fatos curiosos que ouviu semana passada de um desconhecido ou notícias de seis meses atrás. A questão é que mesmo relaxada, uma parte da minha cabeça tá sempre preocupada em falar demais (e eu falo demais), então daí já dá pra ter uma noção do quão difícil é manter um diário online ou mesmo ter redes sociais.
Eis um fato: eu odeio me expor. O que é irônico considerando que eu sou uma pessoa muito tagarela, daquele tipo que conta histórias da família e emenda fatos curiosos que ouviu semana passada de um desconhecido ou notícias de seis meses atrás. A questão é que mesmo relaxada, uma parte da minha cabeça tá sempre preocupada em falar demais (e eu falo demais), então daí já dá pra ter uma noção do quão difícil é manter um diário online ou mesmo ter redes sociais.
No meu último trabalho disseram que eu era muito low profile, eu respondi “se não fosse pelo trabalho, eu seria no profile at all.” Não é mentira.
Mas aí que entra o paradoxo das redes sociais na minha vida: uns 90% das amizades que eu tenho estão em outros estados, quiçá em outros países, e pra piorar uma das coisas que eu sempre amei na vida de escritora era ter feedback dos meus textos na época em que os postava no Nyah!Fanfiction ou no Wattpad. Hoje, fora dessas duas redes, fico me perguntando pra onde ir, o que fazer, se a história está o suficiente e eu sei que tem beta, leitura crítica, mentoria e vários outros serviços, mas nada é o mesmo.
Faz algum tempo que penso em criar essa newsletter, ainda que só recentemente a ideia tenha se consolidado na minha cabeça. Tenho medo de ser engolida pela necessidade de atualizar, pavor, na real, de prometer atualizar x vezes por mês e simplesmente não conseguir e minha ansiedade atacar e eu nunca mais querer abrir esse site novamente (eu sou esse tipo de catástrofe ambulante). Ainda assim, eu estou tentando ser mais responsável com toda essa coisa de ser escritora. Lendo manuais pra ver se em algum deles acho a resposta correta para todos os erros que cometi (eu sei que não vou, me deixem sonhar) e pondo em prática coisas que são possíveis.
Se você, como eu, escreve e não sabe mais o que fazer aí vai a minha possivelmente única dica sobre: tenta ver o que funciona pra você. Eu demorei a assimilar que vídeos e fotos não funcionam comigo, eu posso tentar, posso até ter desenvoltura, mas no momento eu não tenho energia ou espaço pra isso (considere também onde se vive).
Como falei no início do texto: eu odeio me expor. E por mais que a escrita seja uma forma de exposição, ela me permite pincelar a realidade com a fantasia. Escrevendo eu existo além do que eu sou, em um lugar onde posso ignorar os julgamentos.
Porém voltando ao que interessa. O sentido dessa newsletter é tagarelar por texto (check) e intercalar reflexões com capítulos novos dos meus trabalhos. No momento, o maior deles é o carinhosamente apelidado de Projetinho Vampiresco™, ou em sigla OdN, que eu vou soltar pelo menos um capítulo por mês aqui. Não sei se conseguirei manter o título em segredo. Eu vou tentar mesmo assim.
Ah, também tem meu próximo lançamento! Que por enquanto vai ficar só na sigla AUCdM. Não tenho data definida para a pré-venda além de dizer ✨ agosto ✨ (e isso não é piada com a gosto de deus, juro) porque eu sou uma bagunça e ainda tô tentando organizar a melhor forma de divulgar essa história. Fora que eu tenho certeza que está rolando uma conspiração internacional para essa história não ser publicada, não é possível tanta coisa acontecendo toda vez que digo "agora vai".
E como prometido, aqui vai um trechinho desse conto/noveleta. Eu espero ver todes vocês na próxima news!
1. Duplo A
...o empresário Mário Morelli foi reportado como desaparecido na manhã desta segunda-feira por sua secretária, Rosana Servante, que notou a ausência do bilionário ao tentar contatá-lo para uma reunião com acionistas. Morelli não é visto desde a noite de sábado, quando compareceu ao show de sua ex-mulher, a cantora Mariposa, no bar Duplo A…
Com um flash, o prisma-televisão no meio do ambiente apagou. Anabelle jogou o controle sobre o balcão de mogno e resmungou em voz baixa. Atrás do móvel, Antônio secava os copos, virado de lado para o bar cheio de bebidas de todas as cores e assoviava baixo uma música antiga. Ele arqueou uma sobrancelha em sua direção e tentou sorrir, mas optou por servir uma dose transparente em um pequeno e empurrou em direção a mulher.
— Ela já sabe?
— Só se viu a notícia como a gente, mas no camarim não tem nenhuma tela — a mulher respondeu, virou o conteúdo do copo e suprimiu o arrepio quando o álcool desceu pela sua garganta. — Isso supondo que a secretária não ligou, né?
O homem grunhiu.
— Hoje vai ser uma droga.
— Você pode xingar, maninho. Vai ser uma merda.
Antônio fez uma careta, mas não retrucou. Ajustou os suspensórios sobre os ombros da camisa branca e colocou o pano sobre o tampo do bar, apoiando o peso em direção a mulher.
— Será que a polícia já entrou em contato?
Anabelle negou com a cabeça, os cabelos louros roçaram sua bochecha e ela suspirou. Era apenas meio dia e ela sentia que precisaria de mais outras tantas doses para se manter sã no meio da turbulência que se tornaria o seu dia. Então, os sinos da entrada tilintaram e Antônio arqueou uma sobrancelha em sua direção.
— Já disse pra não falar no demônio ou ele aparece — ela murmurou saltando da bancada, enquanto dois policiais entravam no Duplo A. Anabelle caminhou até eles forçando o sorriso nos lábios. — No que posso ajudá-los?
A mulher de pele marrom e olhos verdes a encarou com o cenho franzido, enquanto seu companheiro analisava Anabelle dos pés à cabeça. Os dois vestiam o uniforme escuro da polícia local, com o brasão no lado esquerdo do peito e uma faixa com os sobrenomes e tipo sanguíneo do lado direito.
— Estamos procurando por Mariposa. O marido…
— Ex-marido — gritou Antônio do fundo, aproximando-se da irmã.
A policial suspirou, mas continuou a falar como se a interrupção não fosse mais que um zumbido.
— ...foi declarado desaparecido esta manhã. O último local que sabemos que ele frequentou foi o seu bar no show da sexta à noite.
— Hum… — Anabelle murmurou com a mão no queixo. — Não lembro dele por aqui. Morelli sempre pagava para os seguranças deixá-lo entrar, já trocamos a equipe um bocado por causa disso. Sexta eu não o vi, você viu?
Antônio acenou com a cabeça em afirmação e murmurou um “infelizmente”.
— Ele tava naquela mesa — apontou para o fundo. — Ficou ali a noite toda, bebeu quase uma garrafa inteira de vodka, esperando pela nossa garota, mas Mariposa não quis falar com ele. Como sempre.
— Mas agora o cara sumiu e ela é a única herdeira da fortuna — o policial, calado até então, comentou. Ele andava pelo bar com o cenho franzido, observando as fotografias em preto-e-branco nas paredes, as poltronas de veludo escuro, as formas geométricas iluminadas no piso escuro.
A reação era padrão em todos que visitavam o Duplo A pela primeira vez. A temática dos anos 1920 era parte do charme que atraía a vanguarda artística da ilha, entre os elementos Art Decó e as estruturas metálicas, o bar tinha um ar que não pertencia a tempo algum. Era um delírio no polo turístico do Brasil do Norte, um bar igualmente retrô e futurista construído no centro cultural da principal ilha de Águas Claras.
— Se quer fazer uma acusação, faça logo, não fique enrolando — interrompeu Anabelle, impaciente.
— Ane… — Antônio repreendeu ao lado.
— O quê? Eu não vou deixar que entrem no nosso bar e acusem a nossa Mariposa de algo assim, ela vem tentando se livrar desse cara há séculos! — Anabelle explodiu. — E daí que o Morelli é dono da ilha toda? Não é como se a Mari fosse morrer de fome. Aliás — ela olhou para o policial com os olhos estreitados, o homem apenas arqueou uma sobrancelha —, eu preciso mesmo comentar quantas vezes a Mari pediu o divórcio? Foda-se a fortuna.
Antônio colocou uma mão no braço da irmã, acariciando a pele branca em círculos.
— Queremos apenas conversar com ela — a policial disse, erguendo o braço a frente do seu parceiro, antes que ele pudesse falar. — Talvez ela saiba onde ele pode estar e nos poupar de toda a dor de cabeça.
Anabelle suspirou e revirou os olhos. Mas foi Antônio que respondeu:
— Corredor atrás do palco, segunda porta à esquerda. Ela costuma dormir no camarim.
A mulher, Y. Fernandes, de acordo com o crachá, acenou com a cabeça uma única vez em concordância e sinalizou para que o outro policial a seguisse. Quando os dois já estavam longe do campo de visão, Antônio reclamou em voz baixa:
— Não seja tonta, Anne! Quer que eles fiquem na nossa cola?
— Ah, me poupe, como se eles fossem olhar pra gente — ela retrucou, voltando para perto do bar e se servindo um shot. — Eu não vou deixar que arrastem a Mari pra essas coisas, ela não merece isso, principalmente depois de tudo que ela fez pra se livrar do traste do Morelli e ninguém fez nada!
— Me diga, por favor, que você não amarrou o nome dele na boca de um sapo. Minta se preciso for.
— Óbvio que eu não amarrei o nome dele na boca de um sapo — ela respondeu e Antônio sacudiu a cabeça, sem saber se sentia segurança nas palavras da irmã. — Se essa situação fosse culpa minha primeiro o Morelli iria a falência, depois ele morreria. Morrer no poder é misericordioso demais.
— Maninha, pro seu bem eu espero que aqueles caras não te escutem — Antônio murmurou fazendo uma careta e apontando para o caminho que os policiais tinham seguido.
Anabelle riu. Não dava a mínima para o que os policiais pensavam. O que eles iriam fazer? Ela e Antônio não eram nenhum Morelli, mas o Duplo A atraía atenção o suficiente para que os dois fossem praticamente intocáveis dentro de Águas Claras. Ah, as benesses daquela ilha... Com dinheiro o suficiente, tudo era possível.
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